Antigas fortificações de Portugal no Irão
Antigas fortificações de Portugal no Irão; O contexto histórico[1]
Quando se fala de antigas fortalezas ao longo de zonas costeiras de todo mundodesperta a curiosidade de qualquer português, uma vez que há uma grande probabilidade de terem sido edificados pelos portugueses.No caso do Irão, as ruínas dos forteserguidos há cinco séculos, monumentos surpreendentes pela localização num lugar tão inóspito e, à primeira vista, sem importância, são conhecidos por todos os iranianos como sendo ghal’e-ye portoghaliha, ou “forte dos portugueses”.
De facto, existem várias fortificações portuguesas no Irão, que remontam a presença europeia nesta região. Nos finais do século XV e após muitas décadas de tentativa de exploração do Oceano Atlântico, os portugueses conseguiram estabelecer uma rota marítima directa entre Lisboa e os portos da costa oriental de África e em toda a Ásia marítima incluindo a costa ocidental da Índia e Sudeste Asiático, um feito que marcou toda uma época, com consequências supremas para Portugal.
Até então, e durante muitos séculos, todo o comércio demercadorias de luxo – tais como especiarias, pedras preciosas, perfumes, incensos, sedas e porcelanas – entre a Ásia e a Europa era conduzido quer por estradas terrestres que chegavam aos portos do Mediterrâneo, quer por rotas marítimas que atravessavam o Mar Vermelho ou o Golfo Pérsico. Os portugueses, recorrendo a poderosos navios e tecnologias de navegação inovadoras, conseguiram contornar este antigo esquema comercial, encontrando uma ligação marítima directa entre o sul da Europa e a Índia ocidental, que ficou conhecida como a Rota do Cabo ou, em fontes portuguesas, a carreira da Índia. Ao longo do século XVI, os portugueses foram capazes de manter um controlo apertado sobre esta via marítima.
Para facilitar a viagem à India ou Malaca e regresso, e para tirar proveito do tráfego regional do comércio asiático, que poderia ser muito mais rentável e muito menos arriscado do que a longa e perigosa carreira da Índia, entre 1510 e 1515,a Coroa Portuguesa iniciou o estabelecimento de bases em vários locais estratégicos da Ásia marítima, onde foram construídas fortalezas,fabricas, feitorias e armazéns, incluindo ao longo da costa iraniana no Golfo Pérsico – o mais estrategicamente importante sendo o Forte de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz – para fins de defesa e manutenção das suas instalações, a fim de lucrar com o comércio regional e ter acesso às áreas de produção das mercadorias mais valiosas.Afonso de Albuquerque, um nobre português, foi o estratega responsável pelo estabelecimento do chamado Estado Português da Índia, pois ganhou o controlo de três localizações-chave: em 1510 conquistou o território de Goa, na costa ocidental da Índia, onde os portugueses instalaram o seu centro operacional, construindo ali várias fortalezas; em 1511 conquistou a cidade portuária de Malaca, na Península Malaia, onde foi construída uma fortaleza; e em 1515 impôs um protectorado militar sobre a ilha de Ormuz, na entrada do Golfo Pérsico, onde também foi erguida uma fortaleza.
O estabelecimento de fortificações poderosasao longo da costa Persa permitiu aos portugueses exercer o controlo naval sobre o Estreito de Ormuz durante mais de um século. Com a chegada dos Otomanos e dos Ingleses à região, e com a conquista do Bahrain pelos safávidas, em 1602, o rei persa Xá Abbasdecidiu opor-se à hegemonia marítima tradicional portuguesa no Golfo Pérsico. E nas décadas seguintes o Xá pôs em marcha um ataque progressivo às posições portuguesas, que acabaria por provocar a queda do reduto português de Ormuz em 1622.
Com o abandono de Portugal do Golfo Pérsico, ficaram para trástodo um conjunto de património arquitectónico português ultramarino. No entanto, hoje em dia, estes fortes continuam a ser das mais importantes atracções turísticas na província de Hormozgan.
Onde se encontram as fortalezas portuguesas?
Existem fortes portugueses em diferentes localidades ao longo da costa sul do Irãono Golfo Pérsico, nomeadamente:
Forte de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz (Ilha de Ormuz)
Forte de Queixome (Ilha de Qeshm)
Forte Naderi na aldeia de Laft (Ilha de Qeshm)
Forte de Congo(actualBandar-eKong)
Forte na aldeia de Tis (a norte do porto de Chabahar)
Forte de Comorão em Goombron(atual Bandar Abbas)
Forte de Xamel em Lareca (Ilha deLarak)
Forte de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz (Ilha de Ormuz)
O Forte de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz encontra-se na ilha homónima que remontam a 1515, ano em que o Estado Português da Índia impôs um protectorado militar sobre a ilha de Ormuz, na entrada do Golfo Pérsico.
O Forte de Ormuz é um dos derradeiros monumentos existentes do domínio português no Golfo Pérsico. Esta fortaleza de pedra vermelha é um dos monumentos registados na lista do património nacional iraniano. A razão para a cor vermelha deste forte é a sua proximidade com uma mina onde era extraída terra e pedra vermelha. Uma vez que a terra de Ormuz tem uma alta concentração de óxido de ferro, dá à paisagem uma tonalidade avermelhada característica.
Forte de Queixome e Forte Naderi na aldeia de Laft (Ilha de Qeshm)
Nas ilhas do Golfo Pérsico encontram-se várias outras fortalezas portuguesas, incluindo duas fortalezas em Qeshm.
O Forte de Queixome localiza-se na zona portuária no centro da cidadede Qeshm, ao norte da ilha homónima, a maior ilha no Estreito de Ormuz. Esta fortificação foi erguida para dar apoio às operações comerciais portuguesas na região, particularmente ao vizinho Forte de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz, servindo também para armazenar armas e munições.Os seus vestígios constituem um testemunho importante da ocupação portuguesa na região do Golfo Pérsico, entre os séculos XVI e XVII.
O Forte Naderiencontra-se navila costeira de Laft, uma aldeia que mantem muito dos traços de uma aldeia típica do Golfo Pérsico, registada na Lista do Património Nacional em 2006, situada no noroeste de Qeshm. Considerado o centro da ilha, a aldeia de Lafttrata-se de uma localidade privilegiada que servia para armazenagem, feitoria e comercio, sob uma encosta rochosa, do lado oposto do Esteito de Ormuz e virado para o Estreito de Khoran, onde os portugueses abrigavam as naus. O forte português com quatro metros de altura foi descoberto em 2008 por um arqueólogo iraniano.
Forte de Congo (na vila de Kong)
O Forte de Congo é uma fortaleza histórica que remonta à época da dinastia safávidalocalizada na vila costeira de Kong, perto da cidade portuária de Bandar Lengeh na província de Hormozgan.
A vila de Kong era um dos centros estratégicos daCoroa Portuguesa. Aqui foi construído um porto seguro para receber os naviosque percorriam acarreira da Índia, e também foi construído uma grande fortaleza que serviu de posto de comando. Embora não reste muito deste património, de acordo com relatórios, o Forte de Congo tinha uma imponência especial e contava com o apoio de uma alfândega, uma feitoria, uma praça de comércio de mercadorias e uma doca, onde os portugueses e holandeses chegaram a negociarentre si.
Forte de Tis (a norte do porto de Chabahar)
O Forte de Tis está localizada a cinco quilómetros a noroeste do porto de Chabahar, na actual província de Sistan e Baluchestan.Este forte, na realidade, não foi construído pelos portugueses, mas sim, pela dinastia safávida. No entanto, é conhecido como sendo um “forte dos portugueses”pela presença da Coroa Portuguesa aqui até 1622. Com uma localização estratégica sobre o Golfo de Tis e visível a quilómetros de distância a partir do mar.
A arquitecturadesta estrutura assemelha-se ao CaravansaraiXá Abbasi, um caravanserai histórico localizado em Bisotun, na província de Kermanshah. Os materiais utilizados na construção destas torres – estuque, pedra e tijolo -e algumas das divisões sugerem que foram construídas na época Seljuq (1038-1118) com renovações e decorações Safávida (1501-1736) e Qajar (1785-1925). Existem vestígios de um ab-anbar (reservatório de água) à vista num canto do pátio, além de um poço de água mesmo à entrada da fortaleza.
[1]Rui Manuel Loureiro, Algumas notas sobre as relações diplomáticas Luso-Safávidas, 1515-1622